A empresa e a tributação digital

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A atividade empresarial conheceu significativos benefícios com o desenvolvimento e utilização de ferramentas e processos produtivos em ambiente digital.

Do incipiente uso na administração do cadastro de clientes e nos controles de estoque em computadores pessoais até o e-commerce voltado para smartphones, o aumento da produtividade, do alcance a mercados e exposição da marca do empresário ganhou dimensão não antes vista, com reflexos na lucratividade, seja na parte da redução de custos, seja nos ganhos de escala com a integração na cadeia produtiva virtual.

E isso em quinze anos ou menos.

Bill Gates conta em seu “Business @ the Speed of a Thought” que, em agosto de 1995, a Microsoft foi saudada pela “Time” como o centro gravitacional do mundo digital pelo lançamento do sistema operacional Windows 95, software que reforçou a supremacia da empresa no gigantesco mercado de microcomputadores e suas, então, atividades e utilidades off line. Naquele mesmo ano, em dezembro, a internet era o grande assunto, na imprensa especializada e também na comum. Para embaraço de Gates, que também relata no livro, que a estrutura voltada para a internet na sua empresa resumia-se à página do site da companhia gerenciado por três máquinas instaladas na sala de seu expert em internet, J. Allard, com a fiação amarela espalhada pelo chão e instruções escritas à mão de como usar.

Dificuldades como a enfrentada pela maior e mais avançada empresa de tecnologia com o acontecimento da internet, demanda reflexão acerca da oportunidade e forma de inserir processos digitais na atividade empresarial, sobretudo a processos críticos à existência da operação. A introdução de sistemas de planejamento e gerenciamento de operações (ERP) e de relacionamento com clientes (CRM) exigem clara visão dos objetivos, benefícios e dificuldades e sólida estratégia para investimento e implantação. E essa introdução é facultativa ao empresário (bem entendido, facultativa até o ponto de que seu negócio se torne ineficiente frente à competição que já realizou o investimento).

Quando a iniciativa de inserção de processo digital parte do poder público, a cautela respeitante à heterogeneidade dos destinatários, dos custos adicionados aos já existentes para atender a obrigações já correntemente impostas, e a capacidade do mercado, e da própria administração pública, de se aparelhar para cumprir as exigências da migração para o processo digital, implica no estabelecimento de sólida estratégia de implantação.

As administrações tributárias da União e dos Estados deliberaram instituir o Sistema de Escrituração Digital-Fiscal, SPED-Fiscal, e a Nota Fiscal eletrônica, NF-e, para os contribuintes do ICMS e do IPI, através do Convênio ICMS 143/06 e do Ajuste SINIEF 07/05, respectivamente.

Nesse ponto, cabe avaliar o impacto das determinações fiscais sobre as operações empresariais do ponto de vista da estratégia de sua implementação e da legalidade de alguns aspectos da escrituração fiscal digital.

Vamos restringir, para fins desse artigo, a análise em dois tópicos para o SPED-Fiscal, sendo: 1) relativamente à obrigatoriedade genérica para todos os contribuintes dos impostos citados e, 2) dos meios postos à disposição dos contribuintes pelo poder público para cumprimento da obrigação.

Quanto à Nota Fiscal eletrônica, NF-e, vamos analisar também dois aspectos, o da transmissão on-line obrigatória da NF-e e a emissão em contingência das notas, quando impossibilitada a emissão regular.

O SPED-Fiscal incluiu inicialmente o todo o universo de contribuintes do ICMS e do IPI, em 1º de janeiro de 2009, com a possibilidade dos Estados, em conjunto com a Receita, estabelecerem um cronograma especial de inclusão para 2008. Os contribuintes optantes do SIMPLES NACIONAL, com legislação específica para sua escrituração, estão, acertadamente, fora da sistemática, possuindo livro de registro de entradas (estranhamente em papel) e sistema próprio na escrituração do PGDASN (mensal) e o DASN (anual).

Em seguida, o Ajuste SINIEF 02/09, modifica a obrigatoriedade do SPED-Fiscal para conferir aos Estados a competência de indicar os obrigados, facultando aos restantes o ingresso.

Essa é a forma atualmente adotada pelas unidades da federação.

À parte as considerações acerca da indeterminação dos critérios para indicação dos obrigados e da facultatividade dos demais, em confronto, a priori, com os princípios administrativos da isonomia e impessoalidade, há ainda a regra posterior, consignada na Cláusula Terceira, II, §3º, do Ajuste, de revogação instantânea da dispensa, por ato administrativo do estado de localização do estabelecimento, configurando situação de grave instabilidade do status do contribuinte. Essa regra demonstra a imponderada estratégia de adoção da escrituração digital.

Acresce-se a isso o fato das administrações tributárias envolvidas não terem desenvolvido e oferecido ao contribuinte o software oficial para cumprimento da obrigação. Numa situação de insuficiência no mercado de programas fiscais para este fim, a inexistência de software próprio da administração põe o ente como omisso no provimento dos meios para o correto cumprimento de obrigação, apoiando o argumento de descumprimento legítimo, consideradas as circunstâncias concretas de cada caso.

A Nota Fiscal Eletrônica, NF-e, por sua vez, tem em suas características a natureza de documento exclusivamente digital (emitida, portanto, sem necessidade de papel) e sua autenticidade e impossibilidade de alteração de conteúdo assegurada pela certificação e assinatura digitais. Essas características são as naturalmente objetivadas na elaboração e uso do documento digital, possibilitado pelo uso da criptografia assimétrica, de acordo com a medida provisória 2.200/2001, que disciplina a elaboração do documento eletrônico.

A nota fiscal em meio digital poderia, tecnicamente, ser emitida e armazenada off line, sem transmissão imediata para os bancos de dados do Fisco, ponderando, a administração pública, acerca da capacidade de transmissão atual da internet brasileira e da adaptação dos contribuintes à novel obrigação. Observado isso, a transmissão dos documentos emitidos poderia ser feitas em pacotes, em horários convenientes, sem interrupção das atividades da empresa, em caso de problemas técnicos na rede.

A opção para a NF-e foi de imediata transmissão, precedido de pedido de autorização de emissão (AIDF), de resultado automático, com os benefícios e problemas decorrentes dessa alternativa.

A ocorrência de problemas na internet ou nos extremos dos pontos de envio ou recepção do documento paralisa a atividade do contribuinte até a utilização do chamado modo de emissão em contingência, que implica, observada a ordem estabelecida no ajuste, em tentativas de transmissão para outros bancos de dados que especifica o Ajuste (SCAN, DPEC), onde, não obtido sucesso, segue-se a impressão do documento auxiliar da nota fiscal, que acompanha o trânsito das mercadorias, DANFE, em formulário de segurança, papel com requisitos de segurança próprios de autenticidade.

A complexidade do processo de emissão da NF-e, em razão da estratégia de implantação adotada e do perfil legal estabelecido para sua validade (transmissão imediata, AIDF requerida nota a nota, procedimento de contingência) impõe sérias dificuldades iniciais e mesmo durante a sua operação para contribuintes dos impostos ICMS e IPI que possuem porte econômico e estrutura administrativa à altura das exigências estipuladas na legislação. Para os contribuintes como os do SIMPLES NACIONAL, por evidente, que por presunção legal não possuem tanto o porte quanto à organização necessária, a obrigatoriedade deveria ser mitigada com, possivelmente, sua dispensa nessa fase de início de utilização, ou com a atuação efetiva da administração no auxílio do cumprimento das obrigações, sendo considerada facultativa a sua adesão à NF-e quando estruturada a empresa para tanto e quando o mercado de produtos e serviço próprios para atender a essa demanda legal atingisse massa crítica. Não foi o caminho nacionalmente adotado. Contribuintes do SIMPLES NACIONAL, com portes modestos podem vir a ser incluídos entre os obrigados, conforme o CNAE.

O Estado de Pernambuco foi pioneiro na instituição da escrituração fiscal digital com a criação do Sistema de Escrituração Fiscal – SEF. O SEF, já em 2003, prevê a autenticidade e inalterabilidade da escrituração elaborada através do sistema de Chaves Públicas da ICP- Brasil, em conformidade com a MP 2.220/01. A sua implantação observou a estratégia de ser instituído por lei, incluir os contribuintes com capacidade administrativa para adoção do sistema, elaboração e oferecimento de software oficial, gratuito e de ampla distribuição pela internet, para elaboração da escrituração.

Atualmente, o SEF continua o seu desenvolvimento na SEFAZ/PE para adotar, entre outras, a emissão de documento fiscal digital tendente a abolição completa do uso do papel. Esse sistema também deve ser aperfeiçoado pela contribuição das empresas e outros interessados na tributação eficiente e menos onerosa.

O estabelecimento de obrigações acessórias dos impostos sobre o consumo em ambiente digital resulta no natural acompanhamento da administração tributária dos avanços da tecnologia da informação. A evolução nesse sentido é bem evidente e consenso entre todos os agentes envolvidos.

A organização dos sistemas tributários utilizando-se dos processos digitais é encargo e prerrogativa das pessoas jurídicas de direito público que possuem a competência constitucional para instituir seus respectivos tributos. A tributação assim estruturada precisa igualmente respeitar os direitos dos contribuintes à isonomia e ao equilíbrio da concorrência, à segurança de suas atividades econômicas e a uma reduzida oneração no cumprimento de suas obrigações fiscais.

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NBR 6023:2002 ABNT

FALCÃO, Alberto da Câmara Lima. A empresa e a tributação digital. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2970, 19 ago. 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/19802>. Acesso em: 5 set. 2011.

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