Compensação não equivale a pagamento, decide Carf

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Câmara Superior afastou a denúncia espontânea em casos de tributos atrasados compensados pelo contribuinte

GUILHERME MENDES

Quitar débitos tributários por meio de compensação, mesmo antes de qualquer medida de fiscalização, é insuficiente para caracterizar o fenômeno da denúncia espontânea. Sendo assim, as empresas que pagarem dívidas dessa forma devem arcar com a multa e os juros incidentes sobre os tributos recolhidos fora do prazo.

O entendimento é do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), em decisões tomadas pela 3ª Turma da Câmara Superior. Os casos datam de novembro de 2017, porém os acórdãos foram publicados apenas em 2018.

O fenômeno da denúncia espontânea consta no artigo 138 do Código Tributário Nacional (CTN). O dispositivo define que, caso o contribuinte comprove o pagamento dos tributos devidos antes de qualquer fiscalização, ficam afastadas penalidades, tais como multas.

No Carf, um dos casos analisados pela Câmara Superior envolveu o braço de leasing do Banco Itaú. A instituição financeira ajuizou um mandado de segurança questionando o recolhimento de Cofins, e em 2008, ao desistir da ação, tentou compensar os valores devidos por meio de uma Declaração de Compensação (DComp). Não estava presente nestes pedidos de compensação, entretanto, a multa de mora, pois o Itaú considerou que estava realizando uma denúncia espontânea e, portanto, este valor seria descabido.

Com isso, a discussão do colegiado foi exclusivamente se deveria ser cobrada, contra a empresa, a multa de mora sobre a compensação relacionada a estes tributos pagos em atraso, mesmo que esta compensação tenha ocorrido antes de a fiscalização apurar a infração.

O recurso, apresentado pela Fazenda Nacional, afirmava que a compensação é distinta do pagamento, e somente no último caso é possível a denúncia espontânea. Dessa forma, seria necessário o pagamento da multa de mora. Já a contribuinte elencou o artigo 150 do Código Tributário Nacional (CTN) para defender que o pagamento antecipado extingue o crédito tributário.

O caso teve como relator o conselheiro Rodrigo da Costa Pôssas, presidente da 3ª Seção de Julgamento. O julgador divergiu do ponto de vista da empresa, defendendo que a compensação e o pagamento “são formas de extinção distintas, com conseqüências distintas. Não há dúvida. Assim, não se pode aplicar a mesma jurisprudência de uma para a outra – ainda que o STJ já tenha feito isto, mas em decisão não vinculante”.

Pôssas se refere, em seu voto, ao Recurso Especial (REsp) nº 1.136.372/RS, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em dezembro de 2009 e citado na defesa do contribuinte. Na peça do tribunal superior há um entendimento contrário ao do Carf.

O voto do relator do REsp, ministro Milton Carvalhido, explicita a divergência. Para Carvalhido, a compensação possui efeito de pagamento “sob condição resolutória”, ou seja, com o efeito de uma denúncia espontânea. Entretanto, como o recurso não possui efeitos vinculantes, coube ao Carf prerrogativa de se manifestar de maneira contrária.

No Carf, o recurso da Fazenda Nacional contra o Itauleasing foi acolhido, por quatro votos a três. Uma das conselheiras titulares, Tatiana Midori Migiyama, se declarou impedida de analisar o caso.

Novo relator, novo argumento, mesma tese
No mesmo dia em que analisou o caso do Itauleasing, a 3ª Câmara Superior de Recursos Fiscais tratou de fatos similares em um caso envolvendo o braço brasileiro da fabricante de autopeças japonesa Musashi. O relator, desta vez, foi o conselheiro Demes Brito, representante dos contribuintes.

O representante dos contribuintes também acolheu o recurso da Fazenda Nacional. Brito, no caso do Itauleasing, tinha negado o provimento ao recurso do procurador.

Para tal, Brito se amparou em jurisprudência mais antiga: a súmula 208 do antigo Tribunal Federal de Recursos. Editada em maio de 1986, a súmula afirma que “a simples confissão da divida, acompanhada do seu pedido de parcelamento, não configura denúncia espontânea”.

O voto teve breve conclusão: “Por se tratar de matéria sumulada (Súmula nº 208/TRF), entendo que no presente caso a Contribuinte deveria ter recolhido em pecúnia os valores guerreados, nos termos do artigo 138 do Código Tributário Nacional. A jurisprudência do STJ está pacificada no sentido de que os valores devem ser recolhidos integralmente, caso contrário, será exigido o valor integral do crédito tributário acrescido de juros e multas punitivas”, afirmou o relator.

O entendimento foi vencedor por seis votos a dois, vencidas as conselheiras Tatiana Midori Migiyama e Vanessa Marini Cecconello. Apenas Vanessa entendeu ser possível a denúncia espontânea em ambos os casos.

Teoria dos Jogos
Advogados ouvidos pelo JOTA sobre o tema discordaram das duas decisões tomadas pelo conselho administrativo. Na visão dos tributaristas, há clara previsão no Código Tributário Nacional (CTN) para acolher a compensação como hipótese passível de denúncia espontânea.

“O conceito de pagamento é amplo e acaba culminando no adimplemento da compensação”, ponderou o sócio tributário do De Goeye Advogados, Allan George de Abreu Fallet. O advogado também procurou rebater o argumento que se tratam de instâncias distintas: “a compensação deve ser considerada como cumprimento da obrigação, porque se o legislador quisesse restringir ou limitar esta hipótese, ele teria sido expresso ao citar que é necessário o pagamento, por exemplo, em dinheiro. Não cabe ao intérprete da lei, no caso o Carf, dispôr qual o conceito de pagamento.

“O ponto é: como o artigo 138 do CTN não define a extensão do termo pagamento, agora cabe à jurisprudência, como fez o STJ e a doutrina, a resolver esta controvérsia, se compensação pode ser entendida como pagamento”, concluiu Fallet.

O mesmo entendimento foi exposto pelo sócio de tributário do Menezes e Niebuhr Advogados Associados, Rodrigo Schwartz Holanda. Segundo ele, a interpretação do Fisco de considerar a denúncia espontânea como uma espécie de “exclusão” do crédito tributário seria baseada numa interpretação literal do artigo 138 do Código, que traz algumas peculiaridades.

“É uma teoria de jogos ali, onde há algumas possibilidades”, analisa Holanda. “Se o contribuinte não se manifesta [sobre a quitação do crédito tributário], corre o risco de ser notificado; se o crédito for constituído, poderá ser pago com multa”.

Processos citados na matéria:

No Carf: 16327.000358/2010­-70 e 13405.000027/2003­-42
No STJ: REsp nº 1.136.372/RS

Fonte: JOTA

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