Conflitos tributários: diálogo premente

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Não é novidade o esgotamento do modelo construído a partir da ideia de antagonismo entre Fisco e contribuinte: de um lado, sanha arrecadatória desenfreada; do outro, o sonegador contumaz.

De parte a parte, o que se viu nas últimas décadas nesse relacionamento foi a litigiosidade pré-concebida e a absoluta ausência de dialogo, sempre, obviamente, despejada no Judiciário que foi campo de batalha da geração das grandes teses tributárias. É chegado o momento de reflexão sobre uma desejada pacificação dos conflitos entre administração tributária e contribuintes, o que implica na necessidade de se pensar a adoção de meios alternativos ao judicial (e administrativo) para solução das disputas tributárias.

Registe-se que, não raro, o caos do contencioso tributário é mal compreendido como suposta ineficiência do Judiciário. Efetivamente, desde longa data o Conselho Nacional de Justiça tem feito levantamentos, cobrado produtividade, tratado processos como números, concebendo estatísticas e exigindo metas. Sem embargo do mérito desses estudos, que apontavam que em 2016 havia quase 80 milhões de medidas judiciais em andamento no país, a leitura que fazemos não é sob a ótica de crer materialmente ser possível vencer essa avalanche de processos. A bem da verdade, a causa da falência do sistema diz muito sobre o jurisdicionado e pouco sobre o Judiciário.

A Lei de Mediação deve ser reformada para permitir que causas tributárias sejam resolvidas por câmaras de solução de conflitos

As partes, cunhadas na cultura do litígio, reputaram o Judiciário órgão centralizador e monopolizador de qualquer solução em matéria tributária. Não é incomum, na rotina tributária, a recomendação partindo das próprias autoridades fiscais para que seja iniciada medida judicial, o que ocorre diante da ausência de instrumentos a permitir que o direito seja atendido sem intervenção judicial. Em suma, sem que as partes envolvidas no litígio mudem seu comportamento, qualquer medida, por mais louvável que seja, está fadada ao insucesso.

Mas é preciso, por certo, que haja legitimidade e amparo legal para ambiente com diálogo – e eventualmente, até concessões mútuas. Não bastou a súmula vinculante, a previsão da repercussão geral, a concepção de recursos repetitivos e, certamente, não bastará para se vencer essa infinidade de processos os novos instrumentos inseridos pelo novo Código de Processo Civil.

A bem da verdade, sem evoluir a cultura da mediação e da conciliação, incutindo na sociedade e demais atores do processo o ideal da autocomposição, pouco se avançará no sentido da implementação da garantia fundamental à rápida solução do litígio e à prestação de uma tutela jurisdicional satisfativa e efetiva, mirando, ao final, o ideal da justiça fiscal. A Constituição Federal, é bom mencionar, garante a todos acesso à Justiça; no entanto, a prática nos mostra que acesso à Justiça nem sempre implica no adequado tratamento do conflito.

Nessa seara, infelizmente, foi tímido o legislador quando da definição do marco legal da mediação, concebido pela Lei nº 13.140, de 2015 que, para matéria tributária, em seu artigo 38, praticamente anulou qualquer possibilidade de socorro aos métodos alternativos de solução de conflito no que tange às disputas fiscais federais.

Não obstante, mencionada lei insere a possibilidade de Estados, municípios e Distrito Federal avançarem em soluções não judiciais de conflitos tributários. Na prática, não se viu nenhuma medida relevante sendo implementada – e divulgada.

É chegada a hora de rompimento dessa barreira em matéria de autocomposição: inserção dos litígios tributários dentre aqueles que possam ser solucionados por meios alternativos, sejam auto (mediação e conciliação) ou heterocompositivos (arbitragem).

Reconhece-se, efetivamente, serem necessárias medidas legislativas para tanto e, para isso, objetivando um modelo sustentável e aplicável de forma sistêmica, as mudanças devem ser concebidas em ambiente de diálogo envolvendo todos os players da relação, advogados, públicos e privados, contribuintes, acadêmicos, representantes do setor produtivo, da administração tributária etc.

Qualquer modelo de solução autocompositiva em que a vontade apenas de uma das partes seja preponderante estará fadado ao insucesso. Desde a concepção, o modelo deve estar cunhado no dialogo, na alteração da cultura do litígio, alheio à disputa de poder entre os interessados para obtenção do melhor projeto aos seus interesses, partindo da premissa da convergência, do diálogo, do ganha-ganha.

Nesse contexto, espera-se que o legislativo acolha e processe iniciativas e projetos pendentes. A Lei de Mediação deve ser reformada para permitir que causas tributárias sejam solucionadas por câmaras de solução de conflitos. A arbitragem tributaria deve também ser pensada e moldada. E o Judiciário deve se aproveitar dos instrumentos já disponíveis no Código de Processo Civil para que haja uma ruptura desse ciclo vicioso, com a participação horizontal de todos os interessados e participes dessa historicamente conflituosa relação entre contribuintes, de um lado, e fisco, do outro.

Arremate-se, aqui, com constatação óbvia: a pretensão do Brasil ascender à condição de membro da OCDE passa, necessariamente, pela evolução da legislação no trato do implemento de meios adequados à solução dos conflitos tributários.

Priscila Faricelli de Mendonça e Rogério Campos são, respectivamente, mestre em direito processual civil, autora do livro “Arbitragem e transação tributárias” e advogada em São Paulo; procurador da Fazenda Nacional, ex-coordenador-geral da Representação Judicial da Fazenda Nacional, atua no escritório avançado de consultoria e estratégia da representação judicial da PGFN em São Paulo

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Por Priscila F. de Mendonça e Rogério Campos

Fonte : Valor

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