Contrato intermitente criou 50 mil vagas em 2018, mas advogados cobram regulamentação

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O trabalho intermitente foi uma das novidades de maior destaque da reforma trabalhista, instituída pela Lei 13.467/2017. Mas como o novo tipo de contratação tem se saído na prática? De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o número de vagas criadas na modalidade tem crescido  – o Brasil fechou 2018 com um saldo de 50 mil postos de trabalho intermitente. Entretanto, a taxa de contratação de um mesmo trabalhador por mais de uma empresa ainda é baixa, e as regras sobre os direitos e contribuições devidas no novo tipo de contrato ainda são insuficientes, na avaliação de advogados da área trabalhista ouvidos pelo JOTA.

Entre janeiro e dezembro de 2018 foram criadas 69.984 vagas de trabalho intermitente no Brasil, e houve 19.951 desligamentos de trabalhadores neste modelo, chegando-se ao saldo de 50.033. O número representa menos de 10% do total de empregos criados no período, que foi de 529,5 mil, de acordo com o Caged.

Se as contratações têm grande tendência de crescimento – foram de 2.851 em dezembro de 2017 para 8.968 em dezembro do ano seguinte – o número de admissões em mais de uma empresa é baixo. Ao fim de 2018, foram apenas 1.844 trabalhadores com mais de uma admissão por meio de contrato intermitente. Vale ressaltar que os dados, apesar de indicarem crescimento nos intermitentes, mostram apenas o número de contratos firmados entre empresas e trabalhadores, não revelando quantas vezes cada trabalhador foi convocado para efetivamente atuar.

Na visão do advogado Otávio Pinto e Silva, do escritório Siqueira Castro, justamente por isso é perigoso afirmar o sucesso do trabalho intermitente. “Os dados do Caged não dão a segurança da efetiva utilização do trabalho dessas pessoas. Quantos estão trabalhando? O trabalhador está com o registro feito, mas está sendo chamado, e todo mês há uma oportunidade para ele?”, questiona. “Ele [o trabalhador] pode ter tido dois, três dias de trabalho e está esperando para ser chamado”, diz.

Já para o advogado Rodrigo Takano, do escritório Machado Meyer, os números indicam o sucesso do modelo de contratação. “Eu diria que o trabalho intermitente não apenas pegou, como é uma tendência mundial. Está em franca expansão. É uma tendência que está se consolidando”, diz Takano, que ainda destaca o número de empresas que estão adotando o novo regime. De acordo com o Caged, de janeiro a dezembro de 2018, 9.777 empresas firmaram contratos de trabalho intermitente.

Os setores empresariais que mais contratam intermitentes são, desde o início da vigência da reforma, o de serviços, comércio e construção civil, sendo as funções de atendente de lojas e mercados, assistente de vendas, servente de obras e repositor de mercado as mais comuns. Ao longo do período, porém, o setor de indústrias de transformação também começou a apostar nas contratações intermitentes.

Os dados do Caged ainda mostram que a maioria dos trabalhadores intermitentes é homem, tem até 29 anos e ensino médio completo. Os estados com maiores números de contratação no modelo foram São Paulo e Minas Gerais.

Sem regulamentação

A reforma instituiu a possibilidade de contrato intermitente, porém deu poucos detalhes sobre como deveria ser a sua implantação na prática. A Medida Provisória (MP) 808, que entrou em vigência juntamente à Lei 13.467, regulamentava a modalidade de contratação e tratava sobre benefícios e contribuições previdenciárias. Entretanto, a medida perdeu a validade em abril por não ter sido apreciada pelo Congresso, o que gerou uma lacuna sobre o tema.

Na opinião de Pinto e Silva, ainda há muita incerteza, e a regulamentação atual é insuficiente. “Eu verifico em consultas dos clientes essas dúvidas, se vale ou não a pena investir nesse tipo de contratação, porque realmente há uma insegurança jurídica. A gente percebe que, em determinadas áreas, os clientes preferem aguardar para ver como a coisa vai amadurecer”, comenta.

Para Rodrigo Takano, do Machado Meyer, as empresas têm gradualmente perdido o medo da contratação intermitente, mas é necessário que haja regulamentação formal. “A prática já se ajustou, principalmente nessas questões de auxílio doença, contribuição previdenciária. Esse ajuste, porém, acaba sendo uma interpretação da lei, seria bom que tivesse alguma regulamentação para as empresas se apoiarem”.

Ele aponta esse ajuste na Instrução Normativa (IN) 1.867/2019, publicada pela Receita Federal no dia 29 de janeiro e que regulamenta a incidência de contribuição previdenciária no caso de trabalhadores intermitentes. “A maioria das empresas que eu observava já contava o valor das férias para o cálculo previdenciário. Aqui no escritório nós já considerávamos que era o caso de incidir a contribuição previamente”, comenta Takano.

A IN determina que o trabalhador intermitente é segurado obrigatório da Previdência. Segundo a norma, a contribuição deve ser recolhida no momento em que a remuneração for paga, e a base de cálculo inclui o valor proporcional pago em férias e décimo terceiro. A alíquota varia de 8% a 11%, de acordo com a faixa salarial.

Os advogados citam que, com a queda da MP, muitos temas ficaram desamparados pela legislação existente. Takano destaca, porém, que algumas regras foram estabelecidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em maio, logo após a MP 808 perder a validade. Por meio da portaria 349/2018, o MPT determinou o que deve ser previsto no contrato de trabalho intermitente e o que pode ser convencionado entre as partes, além de estabelecer o recolhimento de contribuições previdenciárias próprias e do empregado e o depósito do FGTS com base nos valores pagos no período mensal.

“A portaria do MPT já estabeleceu algumas regras para o trabalho intermitente, o que deu um norte. Mas é claro que se você tivesse uma lei regulamentando, as empresas teriam mais segurança na contratação. O que observo, porém, é que no dia a dia a aplicação não tem trazido grandes problemas”, opina Takano.

A IN da Receita ainda reitera algo que já estava consolidado na prática sobre a contribuição previdenciária: que no caso de um trabalhador intermitente receber valores inferiores a um salário mínimo, ele pode fazer a complementação do valor para que aquele período trabalhado conte como tempo de serviço. Mas, para Pinto e Silva, a regulamentação da Receita ainda é insuficiente e o ideal é que os ajustes fossem feitos por meio de lei.

“O ideal é que o Congresso pudesse aperfeiçoar o que foi estabelecido na reforma, com uma regulamentação mais aprofundada, usando como base o que já aconteceu nesse período de pouco mais de um ano. Ainda restam dúvidas sobre os auxílios. Se a pessoa tem um contrato intermitente, mas com convocações muito esporádicas, ela não terá tido contribuição previdenciária suficiente ao longo do ano e poderá ter dificuldade para ter acesso a algum benefício da previdência, como licença-maternidade e auxílio-doença”, comenta.

Contratação intermitente tem limites?

A regulamentação insuficiente, aliás, tem levado o tema a ser questionado na Justiça. Ainda há poucas decisões sobre o trabalho intermitente em segunda instância, mas o assunto foi destaque em uma das decisões mais marcantes envolvendo a reforma trabalhista até agora, em novembro de 2018.

O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT3) mandou anular contrato intermitente firmado pela Magazine Luiza. A empresa, aliás, foi uma das grande contratantes de trabalhadores intermitentes. De acordo com a assessoria, foram mais de 5 mil contratos firmados desde que a modalidade entrou em vigor até agora.

O caso em questão foi apreciado pela primeira turma, sob relatoria do desembargador José Eduardo De Resende Chaves Júnior, e se tratava de uma ação movida por um trabalhador intermitente que foi contratado em novembro de 2017 e demitido em fevereiro de 2018 do cargo de assistente de loja. Suas principais atividades eram recepcionar clientes, conferir produtos, efetuar procedimentos de entrega e conferir estoque. A turma entendeu que não era cabível contratar trabalhadores nessa função pela modalidade intermitente.

Em sua justificativa, o relator salientou que se trata de uma atividade típica e permanente da Magazine Luiza, e o trabalho intermitente só deve ser utilizado para funções esporádicas e cuja demanda tenha variação ao longo do ano.

“O trabalho em regime intermitente é lícito de acordo com a nova legislação. Todavia, deve ser feito somente em caráter excepcional, ante a precarização dos direitos do trabalhador, e para atender demanda intermitente em pequenas empresas, sobretudo, não podendo ser utilizado para suprir demanda de atividade permanente, contínua ou regular”, justificou o relator em seu voto. A decisão foi acatada pelo colegiado e a empresa foi condenada a pagar verbas rescisórias e multas. (Processo 0010454-06.2018.5.03.0097).

O tema ainda é alvo de questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de diversas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs). Por meio das ADIs 5806, 5826, 5829 e 5950 as partes argumentam que o novo modelo de contratação leva à precarização do trabalho e reduz direitos fundamentais. O relator das ações é o ministro Edson Fachin, e nenhuma delas começou a ser apreciada até o momento.

Fonte: Portal JOTA.

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