Crédito de ICMS não aproveitado e o reconhecimento à sua inclusão como custo para fins de IRPJ e CSLL

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Em maio de 2008, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ (RESP 1.011.531/SC [01]), ao analisar decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Apelação em Mandado de Segurança 2005.72.05.000018-8/SC [02]), ratificou o entendimento do Tribunal “a quo” no sentido de considerar como custo o saldo credor de ICMS ainda não aproveitado no ano por empresa exportadora, com a conseqüente dedução desses valores do lucro tributável pelo IRPJ e pela CSLL, afastando, portanto, a aplicabilidade do § 3º, do artigo 289, do Regulamento do Imposto de Renda – RIR/99 [03] (Decreto nº 3.000/99), conforme ementa abaixo transcrita:

“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CRÉDITO DE ICMS NÃO-APROVEITADO. RECONHECIMENTO DO DIREITO À INCLUSÃO EM CUSTOS. SITUAÇÃO PARTICULAR DA EMPRESA EXPORTADORA RECORRIDA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC. FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO DIVORCIADA DOS ELEMENTOS CONSTANTES NOS DISPOSITIVOS APONTADOS VIOLADOS.

1. Trata-se de recurso especial fundado na alínea “a” do permissivo constitucional, interposto pela Fazenda Nacional em autos de mandado de segurança preventivo impetrado contra o Delegado da Receita Federal em Blumenau, contra acórdão que, reformando a sentença, reconheceu à empresa contribuinte o direito de considerar como custo o saldo credor do ICMS ainda não aproveitado no ano, excluindo os valores afetos a essa receita do conceito de lucro, a não ensejar a incidência de IRPJ e CSLL. O principal argumento apresentado pela Fazenda, em recurso especial, refere-se à apontada infração do artigo 535 do CPC, porquanto o acórdão teria deixado de examinar teor inscrito nos artigos 187, § 1º da Lei 6.404/76, 248, 289, § 3º e 299, §§ 1º e 2º do Decreto 3.000/99, os quais, segundo se afirma, vedam o procedimento fiscal autorizado pelo julgado atacado.

2. No entanto, não se constata a apontada violação do artigo 535 do CPC, uma vez que, embora não tenha realmente examinado a matéria de direito regulada nos dispositivos elencados pela recorrente, a Corte Julgadora a quo solucionou a lide de maneira absolutamente adequada, invocando fundamento legal que possui via própria, e de nenhum modo dependeria da consideração da tese abraçada pela União.

3. Com efeito, o núcleo da fundamentação do acórdão explicita que a denegação do pedido formulado em recurso de apelação pela empresa contribuinte, no caso concreto, resultaria em tributação indevida, como se demonstra:

A impossibilidade da consideração como custo do ICMS suportado na aquisição de mercadorias, para fins de apuração do lucro, pode não afrontar a capacidade contributiva quando haja, efetivamente, a utilização de tais créditos no pagamento de ICMS e/ou funcione adequadamente a sistemática de ressarcimentos. Porém, em se tratando de empresa exportadora imune ao pagamento de ICMS, que se vê acumulando créditos mês a mês sem que consiga transferir a terceiros tampouco obter junto ao Estado o ressarcimento de tal custo tributário, a norma do regulamento que proíbe que se considere o ICMS suportado como custo (art. 289, § 3º, do Dec. 3.000/99) acaba por implicar a tributação de lucro inexistente, tanto a título de IRPJ como de CSLL.

Esse argumento não mereceu impugnação específica.

4. Recurso especial não-conhecido.” (grifamos).

Malgrado o recurso especial apresentado pela Fazenda estadual não ter sido reconhecido pela Primeira Turma do STJ, conforme se infere do voto do relator, Ministro José Delgado, é possível verificar que o relator sustentou que “a Corte Julgadora a quo solucionou a lide de maneira absolutamente adequada, invocando fundamento legal que possui via própria, e de nenhum modo dependeria da consideração da tese abraçada pela União.“, baseando seu voto em trecho abaixo reproduzido do acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na Apelação em MS 2005.72.05.000018-8/SC:

“Em matéria tributária, cuidando-se de impostos e de contribuições, temos a tributação de riqueza do contribuinte, reveladora de capacidade contributiva.

As bases econômicas tributadas têm de ser analisadas, pois, sob a perspectiva da capacidade contributiva que dá sustentação à tributação. Seja quando da tributação da receita, como quando da tributação da renda ou do lucro, como no caso dos autos, impende interpretar e aplicar a legislação tendo em conta tal princípio constitucional tributário.

Nesse sentido é que, nem tudo o que contabilmente é considerado receita ou lucro pode sê-lo para fins de tributação. Veja-se a lição de JOSÉ ANTÔNIO MINATEL:

– “… há equívoco nessa tentativa generalizada de tomar o registro contábil como o elemento definidor da natureza dos eventos registrados. O conteúdo dos fatos revela a natureza pela qual espera-se sejam retratados, não o contrário. […]

Equivoca-se a administração pública na tentativa de tributar a receita segundo os mesmos critérios que determinam o seu registro contábil para a tributação do lucro.

Em respeito à praticabilidade e facilitação da administração tributária, é possível tolerar procedimentos uniformes partindo da escrituração contábil (receita realizada) para apuração da base de incidência das contribuições, se admitido que essa técnica leva à tributação antecipada de ‘receita’ ainda não auferida, uma contradição, pois crédito não recebido não é receita. Operando-se, portanto, com tributação antecipada, não pode ela ser definitiva, tolerância que exige como condição mecanismos de ajustes nos períodos subseqüentes, mediante exclusão ou compensação que permitam neutralizar o impacto da tributação sobre parcelas não recebidas e já tributadas, evitando ao tributo incidir em realidade desprovida de capacidade de solver a obrigação tributária.” (MINATEL, José Antônio. Conteúdo do Conceito de Receita e Regime Jurídico para sua Tributação. MP, 2005, p. 244 e 258)

Por certo que se faz necessário atentar também para a questão da praticabilidade da tributação, para os aspectos operacionais, admitindo determinadas padronizações, antecipações de pagamento e outros mecanismos que facilitem a fiscalização e a exigência dos tributos. Mas de modo algum quando tal acabe por implicar tributação de riqueza inexistente.

Já nos pronunciamos acerca da matéria quando dissemos da possibilidade do estabelecimento legal do regime de competência para a tributação da receita:

“… PIS. LEI 10.637/02. RECEITA. REGIMES DE COMPETÊNCIA E DE CAIXA. […] A faculdade legal de opção pelo regime de competência ou pelo regime de caixa e mesmo a imposição do regime de competência não implicam, em tese, violação à noção de receita. Poderia a empresa se insurgir relativamente a determinadas receitas específicas contabilizadas pelo regime de competência e que não tivessem se confirmado quando da efetiva liquidação ou recebimento dos valores, implicando, assim, pagamento sobre receita inocorrida. Não é o caso, porém, desta ação. E não há suporte para a insurgência genérica contra o regime de competência, até porque não há demonstração contábil no sentido de que o regime de competência implique, sistematicamente, o recolhimento de tributo a maior, sobre receitas superiores às efetivamente ocorridas e mesmo que não haja mecanismos contábeis para compensar o recolhimento antecipado a maior, quando a receita efetiva se verifique inferior à esperada. Não há impedimento a que o legislador determine o pagamento de tributo antes da ocorrência de fato gerador que, se ainda não ocorrido, é iminente.” (TRF4, 2ª T., AMS 2003.71.00.077956-2/RS, rel. Juiz Fed. Leandro Paulsen, mai/06)

Note-se, contudo, que foi feita a ressalva da discussão de tal regime em casos específicos, quando tal sistemática de tributação acabasse por tributar sem que se revelasse, efetivamente, a capacidade contributiva pressuposta.

O mesmo cabe dizer nestes autos. A impossibilidade de dedução do ICMS suportado pode não afrontar a capacidade contributiva quando haja, efetivamente, a utilização de tais créditos no pagamento de ICMS e mesmo quando funcione adequadamente a sistemática de ressarcimentos.

Contudo, em outras situações, como a destes autos, em que se trata de empresa exportadora imune ao pagamento de ICMS, que se vê acumulando créditos mês a mês sem que consiga obter junto ao Estado o ressarcimento de tal custo tributário, a norma do regulamento que proibe que se considere o ICMS suportado como custo (art. 289, § 3º, do Dec. 3.000/99) acaba por implicar a tributação de lucro inexistente, tanto a título de IRPJ como de CSLL.

Nestes casos, impende que se tome o princípio da capacidade contributiva como referência maior para a interpretação e aplicação da legislação tributária e que se invoque a razoabilidade (postulado constitucional para a aplicação do direito que exige adequação e congruência das normas), para afastar a aplicação de limitação posta no regulamento ao caso concreto, sob pena de ilegalidade (não consta de lei tal restrição, de modo que afrontaria a própria lei se em desconformidade com o fato gerador e base de cálculo estabelecida) e, indiretamente, de inconstitucionalidade (por violação à base econômica passível de ser tributada e ao princípio da capacidade contributiva).

É importante destacar que a própria Impetrante busca solução que não chega a desconsiderar a sistemática de tributação estabelecida. Efetivamente, requer que se reconheça como custo o saldo credor de ICMS não aproveitado no ano, excluindo-se-o do lucro enquanto não for aproveitado. Não se trata, pois, de lançar de pronto como despesa, mas de fazê-lo apenas no que diz respeito aos créditos não aproveitados ao final do ano, além do que, relativamente a tais créditos, assegurar a sua tributação pela adição ao lucro por ocasião da sua efetiva transferência a terceiros ou ressarcimento pelo Estado. (negrito não constante do original).” [04]

Concordamos com as colocações feitas pelo Desembargador Federal Leandro Paulsen, que proferiu o voto supra transcrito, no sentido de que o acúmulo de créditos de ICMS com a impossibilidade de aproveitamento ou ressarcimento desse custo por parte do Erário, implica na tributação de lucro inexistente, pela ausência de acréscimo patrimonial, que é o fato gerador do imposto de renda e, por conseguinte, da CSLL [05].

Entretanto, para uma melhor análise do tema, é necessário aprofundar o estudo acerca do fato gerador do imposto de renda.

O imposto de renda, conforme os ensinamentos de Roberto Quiroga, tem como fato gerador a existência de nova riqueza ou de aumento patrimonial, não podendo se confundir com um mero ingresso ou com a reposição patrimonial (riqueza antiga) [06].

Para Ricardo Mariz de Oliveira, “… o que é relevante para o imposto de renda é a aptidão dos atos e fatos para a geração de um acréscimo a um determinado patrimônio.”

O próprio Supremo Tribunal Federal, ao tratar das rendas e proventos de qualquer natureza, assentou que “o conceito implica reconhecer a existência de receita, lucro, proveito, ganho, acréscimo patrimonial que ocorrem mediante o ingresso ou o auferimento de algo, a título oneroso.” [07]

Acréscimo patrimonial identifica-se, portanto, com o conceito de aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda, que é o núcleo do fato gerador do imposto de renda, nos termos do artigo 43 do CTN abaixo transcrito:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I- de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior…

A aquisição de disponibilidade econômica de renda é simples de ser entendida, pois significa “dinheiro em caixa” que represente um acréscimo patrimonial. A aquisição de disponibilidade jurídica de renda, por sua vez, ocorre, em princípio, com um crédito relativo à renda. Para que ocorra a disponibilidade jurídica, o beneficiário deve possuir um título legal que permita a conversão do crédito em dinheiro (como juros ou dividendos a serem creditados) [08].

Nesse sentido também a lição do saudoso Henry Tilbery que, em sucintas palavras, explicou o conceito da aquisição da disponibilidade econômica e jurídica de renda:

“… ‘aquisição da disponibilidade econômica’ (isto é, percepção efetiva de rendimento em dinheiro ou valores suscetíveis de avaliação em dinheiro) e ‘aquisição da disponibilidade jurídica’ (isto é, o nascimento do direito de receber o rendimento).” [09]

Disponibilidade, nas palavras de Alcides Jorge Costa, é a qualidade do que é disponível, sendo tudo aquilo que, aplicado ao conceito de renda, pode ser empregado, aproveitado, usufruído e utilizado pelo contribuinte. Dessa forma, quando se fala em aquisição de disponibilidade de renda, deve-se entender-se aquilo que o contribuinte pode usar, fruir, dispor e gozar, empregando, aproveitando ou utilizando da forma que melhor lhe convier [10].

Gilberto de Ulhôa Canto, Ian de Porto Alegre Muniz e Antonio Carlos Garcia de Souza, em obra conjunta, afirmam que, se forem considerados os principais elementos integrantes necessários do fato gerador do imposto de renda, conforme constante no artigo 43 do CTN, “deveremos começar pela busca do sentido da expressão ‘aquisição de disponibilidade’. Embora não haja norma legal que o expresse, da natureza das coisas resulta claro que ela significa o poder de dispor ou o aperfeiçoamento, no seu titular, de todos os atributos necessários a que ele tenha a faculdade de dar ao bem ou direito de que se trate a utilidade que deseje. Não há aquisição de disponibilidade de bem ou direito de que alguém não tenha a faculdade de usar, ou em relação ao qual não se esteja em condições de exercer os demais atributos do domínio. [11]

Ainda sobre o tema, Gilberto de Ulhôa Canto é preciso ao afirmar que: “… a disponibilidade jurídica não ocorre com o aperfeiçoamento do direito à percepção do rendimento, sendo, mais que isso, configurada somente quando o seu recebimento em moeda ou quase-moeda dependa somente do contribuinte.” [12]

Mariz de Oliveira toma como exemplo de aquisição da disponibilidade jurídica o caso de renda advinda de uma venda de mercadorias, cuja renda incorpora-se ao patrimônio do vendedor desde o momento em que ele entrega a mercadoria e faz jus ao preço, desde que haja acréscimo patrimonial (preço superior ao de aquisição ou produção da mercadoria vendida), sendo irrelevante o recebimento do preço em dinheiro, já que, desde a entrega da mercadoria, o vendedor já pode dispor do preço, ainda que seja para recebimento a prazo, pois no mínimo pode ceder seu título creditício a terceiros ou utilizá-lo em garantia dos seus negócios. Isto quer dizer, portanto, que existe, no caso, a hipótese do contribuinte usar, fruir, gozar e dispor desse bem patrimonial, havendo a disponibilidade da referida renda. Assim, existe a disponibilidade a partir do momento em que o direito à renda seja adquirido, o que, entretanto, não ocorre enquanto o direito a renda esteja pendente de algum evento futuro [13].

Para Bulhões Pedreira, a aquisição disponibilidade jurídica requer também o direito de receber e poder dispor da renda [14]. Sob o aspecto teleológico, segundo Edmar Oliveira Andrade Filho, as locuções aquisição de disponibilidade econômica e jurídica de renda “visam estabelecer um limite ao legislador, ante a impossibilidade da lei tributária alcançar uma renda que não esteja efetivamente realizada, ou seja, traduzida em dinheiro ou outro bem da mesma natureza. Assim, é de rigor que a lei tributária determine a exigência do imposto somente nos casos em que a renda esteja disponível, isto é, livre, desimpedida, desembaraçada, não sujeita a condições. [15]

A doutrina de Bulhões Pedreira anteriormente mencionada foi utilizada como base pelo conselheiro Celso Alves Feitosa para a elaboração de seu voto no acórdão 101-93103/00, da 1ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, destacando-se o seguinte trecho acerca da necessidade da existência liquidez e certeza na disponibilidade jurídica de renda mencionado no artigo 43 do CTN, senão vejamos:

“Acontece que a disponibilidade jurídica referida no artigo 43 do CTN, para ser considerada corno fato gerador do imposto de renda, há de ser líquida e certa. Uma disponibilidade jurídica ilíquida, isto é, que dependa de concordância do devedor, ainda que decorrente de uma ação judicial, que possa ser resistida e eventualmente modificada em seu quantum, é certa quanto ao direito declarado, mais ilíquida quanto ao seu valor. Como o tributo devido incide sobre valor e não sobre o direito em abstrato, declarado, reconhecido, resta evidente que em caso como o dos autos a disponibilidade jurídica eleita pelo legislador para reconhecer nascido o fato gerador do imposto de renda não nasce tão só com o trânsito em julgado da ação de conhecimento ainda que condenatória.” [16]

Antes disso, a Câmara Superior de Recursos Fiscais já havia fixado o conceito de disponibilidade jurídica de renda em consonância com a doutrina pátria, conforme se infere da ementa infra do acórdão CSRF/01-0632/86:

“IRPF – AQUISIÇÃO DE DISPONIBILIDADE JURÍDICA DE RENDA – COMISSÕES PAGAS COM NOTAS PROMISSÓRIAS ENDOSSADAS PELOS DEVEDORES, COM VENCIMENTOS PARA O ANO SEGUINTE, RECEBIDAS ‘PRO SOLUTO’ – DAÇÃO EM PAGAMENTO.

Há disponibilidade jurídica quando se adquire título vencido, ou quando este vencer, ocasião em que exsurge o direito à pretensão e/ou à ação para exigir o crédito. Enquanto o direito não puder ser exigido, tem-se direito ao crédito, mas não ainda disponibilidade jurídica de renda.

Se há direito de exigir prestação pecuniária e o credor consentiu em receber, ‘pro soluto’, notas promissórias subscritas e emitidas por terceiros, mediante endosso do devedor, deu-se a ‘datio in solutum’, consentindo o credor em receber ‘aliud pro alio’, e abrindo mão da disponibilidade jurídica relativa à prestação que lhe era devida. Nesse caso, os valores das notas promissórias devem ser submetidos à tributação no exercício correspondente ao ano-base em que era exigível a prestação pecuniária, substituída pelas notas promissórias por consentimento livre do credor – contribuinte, não oponível à Fazenda Nacional.

Há, igualmente, aquisição de disponibilidade jurídica de renda se o contribuinte recebe bens ou títulos de imediata e fácil liquidez, independentemente de vencimento, eis que se trata, na realidade, de quase-moeda.

Também há aquisição de disponibilidade jurídica de renda se o direito de crédito é realizado antes do vencimento, mediante endosso ou cessão ordinária de créditos.” [17]

Outro julgado que merece destaque é o RESP 320.455/RJ [18], do Superior Tribunal de Justiça, ao decidir que o imposto de renda só incide sobre os ganhos decorrentes de variações cambiais quando realizado o pagamento das obrigações financeiras relativas àquelas variações, porque é a partir daí que serão incluídos na receita e na apuração do lucro real obtido.

Destaque-se que o relator do processo, Ministro Garcia Vieira, defendeu que meors registros contábeis não geram acréscimo patrimonial, significando apenas mera expectativa de ganho e não constituindo hipótese de incidência do imposto de renda, verbis:

“Com efeito, diante da linha de entendimento que tem prevalecido no âmbito deste Tribunal, em casos que, senão idênticos, guardam certa semelhança com este, inclino-me por adotar o posicionamento sustentado no decisum hostilizado. Isso porque “o fato gerador do Imposto de Renda identifica-se com a disponibilidade econômica ou jurídica do rendimento” (REsp. 133.306/RS), Rel. Min. MILTON LUIZ PEREIRA, D.J. 06.12.99). Do mesmo modo, há de se entender que “o fato gerador do imposto de renda é o acréscimo patrimonial mais a respectiva disponibilidade jurídica ou econômica (CTN, art. 43)”. REsp. 181.912/PR, Rel. Min. ARI PARGENDLER, D.J. 03.11.98.

De outra parte, no exame de matéria relacionada com o Imposto de Renda sobre os lucros distribuídos por pessoas jurídicas, deixei consignado no acórdão da minha lavra que “a legislação tributária aplíca-se aos fatos geradores futuros ou pendentes e não pretéritos” (REsp. 32.744-5/CE, D.J. 10.05.93).

Partindo de tais pressupostos, sem a necessidade de maiores digressões, de ordem doutrinária, afigura-se-me escorreita a decisão ora objurgada, porquanto é certo que a disponibilidade econômica ou jurídica da renda só ocorre quando houver real acréscimo patrimonial, não cabendo a tributação sobre mera expectativa de ganho futuro e em potencial.

Nesse aspecto, a razão está com a recorrida, quando invoca, em suas contra-razões, opiniões doutrinárias e precedentes jurisprudenciais em favor da tese defendida, acabando por concluir, ‘in expressis’:

‘Assim, tem-se que, o efetivo acréscimo patrimonial, disponibilizado para o contribuinte, não pode ser verificado pelos registros contábeis, mas somente pelo ganho determinado no momento em que a Recorrida cumprir a obrigação financeira, pois é somente nesse momento que ela se beneficia (ou não) com a quantidade de reais necessária para a liquidação da obrigação em moeda estrangeira. Antes disso, os registros contábeis significam, tão somente, mera expectativa de ganho, que não constitui hipótese de incidência do imposto de renda.

Como viu-se acima, a disponibilidade a que se refere o art. 43 do CTN resulta de um fator econômico concreto e atual (dinheiro em caixa por exemplo) ou de um fato reconhecido como tal pelo Direito (um direito reconhecido pela lei, como o direito de crédito).

Logo, não há como se falar que meros registros contábeis, que representam tão somente expectativas de resultado positivo (já que não se sabe se quando a obrigação for cumprida, a variação será positiva ou negativa) constituam um acréscimo patrimonial, e que este, por força do regime de competência, esteja disponibilizado para o contribuinte no momento em que registrado; ao contrário, é certo que o contribuinte não dispõe desse ganho, uma vez que ainda não implementado o termo em que deveria cumprir sua obrigação financeira.’ (fls. 258/259)

Tendo, portanto, como procedentes tais argumentos, além dos sólidos fundamentos da decisão vergastada, não diviso qualquer maltrato ao artigo 43 do CTN.” [19] (grifamos)

Ocorre, no entanto, que existem decisões contrárias dos Tribunais Regionais Federais da 2ª e 4ª Regiões, conforme se observa nas ementas abaixo:

“IRPJ. BASE DE CÁLCULO. CRÉDITOS DE ICMS IRREALIZÁVEIS EM RAZÃO DE LIMITAÇÕES DA LEGISLAÇÃO ESTADUAL. EXCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE

1. O fato gerador do imposto de renda, nos termos do art. 43 do CTN, consiste na aquisição de disponibilidade, econômica ou jurídica, de renda ou de proventos de qualquer natureza.

2. A disponibilidade jurídica, ao contrário da econômica, dispensa o efetivo ingresso do numerário no patrimônio do contribuinte, sendo configurada quando este, “embora ainda não tenha a disponibilidade econômica, já possua o crédito relativo à renda”.

3. A mera expectativa de direito ou de ganho patrimonial não consubstancia o acréscimo patrimonial. Nesse ponto, é necessária a distinção entre o efetivo acréscimo patrimonial contabilizado pelo regime de competência (em que não há ingresso físico da renda obtida) e a ausência de acréscimo, em situações nas quais a escrituração contábil realiza operações meramente gráficas, com alegada criação artificial de lucros.

4. A disponibilidade jurídica ocorre quando o direito encontra-se definitivamente incorporado ao patrimônio da pessoa (natural ou jurídica), o que significa a exclusão dos “direitos ainda não adquiridos porque sujeitos a uma cláusula de condição suspensiva ou à ocorrência de qualquer evento futuro e incerto”.

5. No caso, o evento futuro incerto não diz respeito à incorporação dos créditos de ICMS ao patrimônio da apelada – o que já ocorreu, de forma definitiva –, mas sim ao seu efetivo recebimento. Configuração, portanto, da disponibilidade jurídica dos referidos créditos, gerando a incidência do imposto.

6. Apelação e remessa providas.” [20] (grifamos)

“MANDADO DE SEGURANÇA. CRÉDITOS DE ICMS. EXCLUSÃO DO CÔMPUTO DO LUCRO REAL E DA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E DA CSLL.

A escrituração dos créditos relativos ao ICMS pela impetrante caracteriza a ‘aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de acréscimos patrimoniais’ e, portanto, configura fato gerador do IRPJ e da CSLL. Tanto é assim que, embora a impetrante não possa realizar os créditos na sua integralidade, aproveita-os pelo menos em parte, para efetuar o abatimento de débitos que possui de ICMS, restando comprovada a sua disponibilidade.” [21] (grifamos)

O que se observa nos votos dos relatores de ambos os processos supra é o reconhecimento da aquisição da disponibilidade jurídica de renda pela escrituração dos créditos de ICMS pelos contribuintes. Isso fica muito claro nos trechos dos votos a seguir reproduzidos:

“Ora, na situação apresentada nos autos o quadro se configura, mutatis mutandis, da mesma forma. O direito ao crédito já existe, já foi efetivamente incorporado ao patrimônio da empresa, pela simples realização das operações respectivas de ICMS. O fato de não ter sido possibilitado, ainda, o recebimento efetivo do valor respectivo – mesmo que por conta de compensação em outras operações – não faz com que não tenha havido a inserção, no patrimônio da empresa, de elemento novo. Este elemento novo já existe e daí não será retirado – pois sua entrada já é definitiva, já que não se sujeita, quanto a esse ponto, a evento futuro e incerto. O que se subordina à eventualidade é a realização desse crédito, circunstância que não afeta o fato de que o referido direito já se encontra, de forma definitiva, no patrimônio da apelada.” [22]

“Em que pese a argumentação em contrário da impetrante, tenho que a escrituração dos créditos caracteriza a ‘aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de acréscimos patrimoniais’ e, portanto, configura fato gerador do IRPJ e da CSLL. Tanto é assim que, embora a impetrante não possa realizar os créditos na sua integralidade, aproveita-os pelo menos em parte, para efetuar o abatimento de débitos que possui de ICMS.

O fato de o aproveitamento dos créditos ocorrer de forma desproporcional não configura a indisponibilidade alegada pela impetrante. Disponibilidade há, o que não há é a possibilidade de aproveitamento integral em decorrência de suas próprias características negociais e de imposição de Lei Estadual.” [23]

Discordamos do entendimento que prevaleceu nas decisões dos Tribunais Regionais Federais da 2ª e 4ª Regiões, no sentido de que há disponibilidade jurídica, para fins de imposto de renda, com a simples efetivação das operações e escrituração dos créditos de ICMS na contabilidade das pessoas jurídicas, especialmente se não for possível que o contribuinte transfira os créditos a terceiros e tampouco obtenha junto ao Estado o seu ressarcimento, pelos seguintes motivos:

a)O contribuinte não pode usar, fruir, dispor e gozar indistintamente dos créditos acumulados de ICMS sem quaisquer limitações, ainda que incorporados ao seu patrimônio;

b)O aproveitamento dos créditos acumulados de ICMS não depende somente do contribuinte;

c)Como não há disponibilidade econômica, a disponibilidade jurídica não é líquida e certa, uma vez que a utilização dos créditos acumulados de ICMS depende de concordância do Fisco;

d)Enquanto o contribuinte não puder utilizar os créditos acumulados de ICMS, tem-se apenas o direito de crédito, mas não ainda a sua disponibilidade jurídica; e

e)O simples registro contábil dos créditos de ICMS representa apenas mera expectativa de sua utilização no futuro.

Diante de tudo o que foi exposto, quer nos parecer ser inaplicável o § 3º, do artigo 289, do RIR/99 (não inclusão, no custo, dos impostos recuperáveis através de créditos na escrita fiscal), aos créditos acumulados de ICMS que não possam ser efetivamente aproveitados pelos contribuintes, quer pela sua transferência quer pelo seu ressarcimento.

Fonte: http://jus.uol.com.br

http://jus.uol.com.br/revista/texto/17193/credito-de-icms-nao-aproveitado-e-o-reconhecimento-a-sua-inclusao-como-custo-para-fins-de-irpj-e-csll

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