EUA pagam delatores de fraudes contábeis

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Valor Econômico|Cristine Prestes |15062011|

Empresas com ações em bolsas de valores nos Estados Unidos têm um motivo a mais para se preocupar em cumprir rigorosamente as regras do mercado de capitais local. A Securities and Exchange Comission (SEC) finalizou a regulamentação da lei que incentiva denúncias de fraudes contábeis e violações às normas por empresas que negociam ações no país. A partir de agora, quem denunciar uma fraude pode levar um percentual da multa aplicada à empresa quando a investigação culminar em condenação ou acordo. A regra vale tanto para denunciantes americanos quanto para estrangeiros. Pode se candidatar ao “prêmio” quem delatar fraudes cometidas em subsidiárias de companhias americanas de capital aberto instaladas em outros países ou em companhias estrangeiras que possuam ações em bolsas americanas.

Aos delatores – os “whistleblowers”, na denominação da nova lei “Dodd-Frank Act”, o benefício oferecido é atrativo: 10% a 30% do valor das sanções aplicadas aos infratores. Alguém que tivesse, por ventura, denunciado ao órgão a fraude contábil que a General Eletric (GE) foi acusada de ter cometido para manter as projeções de lucro entre 2002 e 2003 poderia ter embolsado até US$ 15 milhões se a nova lei já estivesse em vigor. Em agosto de 2009, a SEC fechou um acordo com a companhia, que pagou uma multa de US$ 50 milhões em troca do fim das investigações.

Somente no ano fiscal americano de 2010 – que começou em 1º de outubro de 2009 e terminou em 30 de setembro do ano seguinte – a SEC arrecadou US$ 2,8 bilhões em multas aplicadas a empresas e pessoas físicas acusadas de fraudes e irregularidades. A maior parte disso foi pago em troca de acordos para encerrar processos em curso – e o valor individual das multas aplicadas nos últimos anos têm batido recordes. No ano passado, o Goldman Sachs foi multado pela SEC em US$ 550 milhões após fechar um acordo para encerrar uma investigação em que era acusado de ter enganado investidores com um produto hipotecário de alto risco. O delator, nesse caso, poderia ter recebido de US$ 55 milhões a US$ 165 milhões. “O incentivo financeiro ao denunciante é enorme”, diz o advogado Carlos Ayres, especialista em programas de compliance e prevenção de fraudes do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados.

As regras da Dodd-Frank destinam-se principalmente a funcionários que tenham informações sobre irregularidades cometidas nas empresas onde trabalham. A recompensa, no entanto, pode ser concedida também a outros informantes, como fornecedores ou clientes. Ficam excluídos auditores, contadores e advogados que, por dever de ofício, devem manter sigilo em relação aos dados a que têm acesso por dever de ofício.

As denúncias à SEC também podem ser feitas por estrangeiros, e um detalhe incluído na regulamentação da lei facilita ainda mais o caminho para eles. Para que “whistleblowers” americanos se candidatem a um percentual das multas aplicadas às empresas, as provas oferecidas à SEC não podem ter sido obtidas mediante violação de leis federais ou estaduais. Já no caso de estrangeiros, as informações prestadas podem garantir o prêmio, mesmo que tenham sido obtidas por meio de violação às leis de outro país. “A SEC entendeu que não está em posição de checar se a forma de obtenção das provas da fraude foi ilegal ou não no país onde foi obtida”, diz Carlos Ayres, que estudou a lei e sua regulamentação e já vem alertando seus clientes a respeito das novas regras.

A questão é polêmica e gerou uma série de sugestões e críticas à SEC durante o processo de regulamentação do capítulo 922 da Dodd-Frank, já que alguns entendiam que isso poderia incentivar pessoas a violarem leis estrangeiras na busca por informações e pelo prêmio. “A SEC não coloca a violação à lei local como empecilho, mas também não se trata de uma autorização para isso”, diz o advogado Antenor Madruga, especialista em fraudes do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, para quem essa é uma questão a ser resolvida com a interpretação da nova lei pela Justiça americana.

Desde que a Dodd-Frank entrou em vigor, em julho do ano passado, a SEC contabiliza um aumento do número e da qualidade das informações que recebe sobre fraudes e irregularidades contábeis. A estimativa do órgão é a de receber cerca de 30 mil denúncias ao ano. A advogada Erika Kelton, que trabalha com “whistleblowers” há 25 anos e é sócia da firma americana Phillips & Cohen, conta que, imediatamente após a entrada em vigor da lei, em julho de 2010, começou a receber consultas de potenciais denunciantes, americanos e estrangeiros – e entre esses, de um brasileiro. “Já temos investigações em curso na SEC geradas por clientes que fizeram denúncias após a Dodd-Frank e em breve poderemos ter um brasileiro”, diz (leia matéria ao lado).

A nova lei americana dá um passo adiante na tendência mundial de combater a corrupção protegendo o denunciante ao recompensá-lo também. Especialistas são unânimes em afirmar que, mais do que nunca, os programas de compliance e de prevenção a fraudes são necessários. “Antes, se uma empresa tivesse um bom sistema de prevenção, poderia ter sua pena reduzida caso fosse investigada pela SEC”, diz Carlos Ayres. “Agora ela precisa dele para evitar que a fraude ocorra.”

A advogada Isabel Franco, especialista em legislação anticorrupção e sócia do escritório KLA – Koury Lopes Advogados, afirma que não basta mais treinar funcionários e implementar programas de compliance com canais específicos para denúncias – como os “hotlines” – se elas não forem investigadas. Nesses casos, a própria lei Dodd-Frank tem uma resposta: se um funcionário fizer uma denúncia de fraude internamente e, em 120 dias, a empresa não investigá-la, ele pode reportar as informações à SEC e concorrer a um quinhão de uma eventual multa imposta pelo órgão. “O que a SEC está dizendo muito claramente é que as empresas têm que ter programas de compliance muito fortes e investigar denúncias, porque se não ela ‘paga por fora'”, diz Isabel.

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