Guerra à vista

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Enquanto sobe a arrecadação tributária, Estados brigam entre si e com a União para ver quem fica com mais dinheiro dos impostos.

De tempos em tempos, os Estados e a União se digladiam pelo rateio de bilionários nacos da arrecadação de impostos e tributos – uma conta que não para nunca de subir e passou de R$ 1 trilhão no início do mês, segundo o célebre impostômetro da Associação Comercial de São Paulo. Na falta de consenso, surge sempre o mesmo discurso: está na hora de rever o combalido pacto federativo brasileiro. Bobagem. As brigas sempre arrefecem e o assunto é deixado de lado. Nos últimos dias, as disputas entre governadores e o governo federal por royalties da camada de petróleo pré-sal voltaram a dar munição para mais uma “batalha federativa”. Não vieram sozinhas. Além das riquezas do petróleo, discute-se no Congresso Nacional temas espinhosos, como a guerra fiscal, a renegociação das dívidas dos Estados com a União e a reforma do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Vem chumbo grosso por aí. Já no primeiro embate sobre o pré-sal, o clima azedou. O governo federal aceitou reduzir de 30% para 20% sua fatia nos royalties das áreas já leiloadas – 28% do total mapeado –, distribuindo R$ 800 milhões já em 2012.

Porém, abocanhou R$ 1,7 bilhão de Estados e municípios produtores para distribuir entre os não produtores. Rio de Janeiro e Espírito Santo, principais produtores e destino de 85% dos royalties, se recusam a endossar uma proposta que lhes tire receitas. “Se a proposta avançar sobre as receitas, não tem acordo”, disse à DINHEIRO Renato Casagrande, governador do Espírito Santo. O que a discussão do pré-sal tem a ver com os outros temas que mexem com a distribuição de recursos entre as Unidades da Federação? “Tudo facilita se houver um bom entendimento nos royalties”, completa Casagrande. “Temos que resolver a renovação do FPE logo e vai ficar difícil um acordo se os Estados não se entenderem em relação ao pré-sal”, concorda o senador Walter Pinheiro (PT-BA), um dos envolvidos nas discussões sobre a reforma do fundo. O governo considera que fez a sua parte. “Procuramos preservar os Estados produtores e reduzimos substancialmente a participação da União”, disse na terça-feira 20 o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa.

Sem uma nova legislação, o FPE será extinto no fim do ano que vem. Em janeiro de 2010, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o critério de distribuição dos recursos para os Estados e deu prazo até dezembro de 2012 para a aprovação de uma nova lei. Criado em 1965, o fundo foi pensado para atenuar as diferenças econômicas entre os Estados, dando às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste 85% dos repasses. No Senado, já há dois projetos em tramitação, mas eles pouco ou nada avançaram nos últimos meses. Para os senadores envolvidos na questão, existe o risco de os governadores tentarem compensar no FPE eventuais perdas nos royalties e inviabilizar um acordo no Fundo. Os governadores se queixam, por exemplo, que a base de cálculo do FPE – o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto de Renda – não acompanhou o crescimento da arrecadação federal. Em 1988, por exemplo, IPI e IR representavam 76% do bolo tributário. Hoje, a participação é de 46%, com um repasse previsto de R$ 55 bilhões em 2012.
Ou seja, o bolo da União cresceu, mas a parte destinada aos Estados cresceu bem menos. “A situação é tensa. Há tempos tem sido gestada uma crise em torno das finanças dos Estados”, diz o economista José Roberto Afonso. Nas últimas semanas, Nelson Barbosa tentou costurar um acordo e baixar a temperatura do debate. Sem sucesso. Na quinta-feira 15, ele foi avisado por senadores de que não há acordo para votar um projeto de resolução do senador Romero Jucá (PMDB-RR) destinado a encerrar a guerra fiscal travada contra Estados que concederam benefícios fiscais para bens importados – a chamada guerra dos portos. Outro projeto, caro ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, é o que altera a Lei de Responsabilidade Fiscal para permitir aos Estados discutir suas dívidas com a União. Nos últimos dez anos, a dívida das 27 unidades da Federação cresceu de R$ 199,3 bilhões para R$ 439,8 bilhões. Os governadores reclamam que, mesmo pagando em dia, não conseguem reduzir o saldo por causa do indexador que corrige o estoque. Por isso, querem trocar o índice de correção do IGP-DI (muito sujeito a choques de preços) para o IPCA.
O governo, porém, não quer colocar a lei em discussão no Congresso, com medo que os parlamentares reduzam o seu rigor fiscal. Os Estados, por sua vez, acham que a União quer abocanhar uma parte ainda maior dos recursos. “Há uma série de ameaças às receitas dos Estados”, disse à DINHEIRO Eduardo Campos, governador de Pernambuco. A preocupação com essas disputas federativas é tamanha que levou o ministro Gilmar Mendes, do STF, a visitar o presidente do Senado, José Sarney, na quarta-feira 21. Mendes sugeriu a Sarney a criação de uma comissão de especialistas para debater os quatro temas em conjunto e evitar que as disputas terminem na Justiça. Presente na reunião, o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel afirma que única maneira de melhorar as relações entre Estados e União é a análise conjunta. “Haverá ganhadores e perdedores. No conjunto, é possível distribuir melhor as perdas”, diz.
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Por Guilherme QUEIROZ – IstoÉ Dinheiro
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