Simplicidade proposta pela reforma tributária é um risco

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Por Frederico Bocchi Siqueira

Há tempos discute-se a necessidade de uma reforma tributária no Brasil que promova, além de eficiência econômica e equidade, maior simplicidade administrativa e transparência. Entre os problemas enfrentados pelos contribuintes estão a complexidade do sistema, a quantidade de tributos, a base de incidência setorial diversificada e a legislação deficiente e imprecisa. Esse cenário implica em altos custos administrativos e de compliance, aumento do contencioso e oneração dos investimentos. Sem dúvida, a necessidade de reforma é uma realidade, mas a simplicidade também pode representar um risco.

Os três principais projetos de reforma tributária que estão em tramitação são de iniciativa do deputado Luis Carlos Hauly (Hauly), do Centro de Cidadania Fiscal (C.CIF) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)[1]. Eles preveem reformas abrangentes e estruturais. Alguns dos candidatos às eleições também defendem a reforma tributária na mesma linha desses projetos, com alterações na tributação do consumo, maior ênfase na tributação da renda e tributação de dividendos.

Muito embora todas essas iniciativas sejam louváveis, e uma reforma tributária seja necessária, é importante fomentar o debate nessa fase para que o país não experimente surpresas ou consequências indesejadas após eventuais mudanças. Elas podem trazer simplicidade administrativa, transparência e solucionar vários problemas existentes, tais como a dicotomia entre ICMS e ISS, especialmente quanto à tributação das empresas de tecnologia, que provocam guerra fiscal entre os estados e municípios e colocam o contribuinte em uma situação de total insegurança jurídica. Mas podem também provocar distorções e impactar negativamente setores importantes da economia, cuja tributação deveria estar inserida numa análise mais ampla, de estratégia para o desenvolvimento econômico do país.

Todas essas propostas, de certa forma, convergem em relação à tributação do consumo e propõem a instituição de um imposto tipo IVA (em substituição ao PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS), com supressão de incentivos fiscais e uma alíquota única.

A revisão dos incentivos fiscais é um assunto que vem sendo bastante discutido, inclusive fora do contexto da reforma tributária, especialmente pelo atual momento de déficit das contas públicas. A concessão de incentivo fiscal representa uma renúncia do governo quanto à potencial arrecadação tributária, a fim de estimular algum setor que considere estratégico ou porque, na visão do governo, é mais eficiente manter aquela parcela da riqueza com a iniciativa privada. Sob essa perspectiva, a renúncia fiscal seria então idealmente compensada pelo particular por meio de investimentos (tais como infraestrutura e tecnologia) ou promoção de políticas públicas (tais como de apoio à cultura e ao esporte).

Estudos[2] demonstram que vários incentivos fiscais não têm sido eficientes para o que se propõem, não justificando a renúncia fiscal por parte do Estado. Em relação à grande parte deles, não há sequer monitoramento e avaliação da sua efetividade, o que demonstra baixo controle dessas políticas públicas. Nesses casos, seria melhor então que não houvesse nenhum tipo de renúncia, e o valor que deixou de ser arrecadado estivesse nas mãos do governo para fazer frente aos gastos públicos.

Por outro lado, muitos incentivos fiscais são essenciais para determinados setores da economia, como agronegócio, indústria química ou automotivo, por exemplo. Além disso, foram e continuam sendo essenciais para o desenvolvimento de determinadas regiões do país, como a Zona Franca de Manaus. Considerando a importância dos incentivos para esses setores da economia e para determinadas regiões do país, questiona-se então qual seria o efetivo impacto da supressão e se o caminho não seria mesmo uma revisão dos incentivos no lugar de sua total extinção.

No que diz respeito à alíquota, em tese propõe-se que seja única para quase todas as hipóteses de incidência, admitindo-se poucas exceções, sem, portanto, considerar o princípio da seletividade ou mesmo a realidade do setor.

Entretanto, não se pode negar que o princípio da seletividade, segundo o qual as alíquotas de IPI (obrigatório) e ICMS (facultativo) variam segundo a essencialidade do bem ou serviço, seja um importante instrumento para a progressividade da tributação. Essa regra permite, por exemplo, que produtos de cesta básica sejam tributados com alíquotas mais baixas, enquanto produtos supérfluos, tais como artigos de luxo, sejam tributados com alíquotas mais altas. Dessa forma, é possível promover a redistribuição por meio da própria tributação, e não apenas por meio do gasto público. E, ainda, considerar maior carga tributária em relação às pessoas com poder aquisitivo mais elevado vai ao encontro do princípio da capacidade contributiva.

Além disso, a adoção de uma alíquota única em um país tão heterogêneo, com diferentes setores produtivos e muitas particularidades geográficas, pode ser um risco ou, no mínimo, um desafio. Isso porque é natural que setores produtivos convivam com cargas tributárias distintas, sobretudo quando suas realidades também o são, motivo pelo qual questiona-se se a tão proposta neutralidade tributária implicaria realmente em benefício ou poderia ser um equívoco. Ainda que o sistema tipo IVA seja um padrão reconhecido pelos especialistas, e um sucesso em países europeus, por exemplo, não é possível ter clareza de que o resultado seria exatamente o mesmo no Brasil, porque as realidades são distintas.

O projeto do C.CIF prevê que a perda de incentivos fiscais e a introdução de uma alíquota única sejam compensadas com o investimento dos recursos provenientes da arrecadação na promoção de políticas de desenvolvimento regional, correção de deficiências de infraestrutura ou qualificação de trabalhadores. No entanto, considerando a falta de eficiência do governo brasileiro, há sérias dúvidas sobre se seria possível compensar referido aumento da carga tributária.

É evidente que a reforma tributária poderia trazer inúmeros benefícios, tais como a simplificação da tributação do consumo, com reflexos, por exemplo, na uniformização da tributação das atividades desenvolvidas no âmbito da economia digital; deslocamento da tributação do consumo para a renda, com nítido aspecto redistributivo; ou supressão de incentivos concedidos em decorrência de lobby.

Em que pese todos os argumentos em favor de um imposto tipo IVA com alíquota única, sem qualquer tipo de benefício fiscal para qualquer produto/serviço ou região, questiona-se, entretanto, se a extinção integral de benefícios poderia representar um risco para setores essenciais da economia e determinadas regiões do país e se a neutralidade e a simplificação conseguirão capturar as diferentes realidades do país.

 

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