ICMS nas operações com energia elétrica que envolvam liquidações

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Por *Anderson Cardoso

 

As obrigações tributárias referentes ao ICMS nas operações com energia elétrica, inclusive aquelas cuja liquidação financeira ocorra no âmbito da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e que envolvam liquidações no Mercado de Curto Prazo e Mecanismo de Compensação de Sobras e Déficits (MCSD), são reguladas pelo Convênio ICMS 15/2007, exceto quanto aos estados listados no Anexo Único do Convênio ICMS 77/2011[1].

No que se refere a contratos bilaterais, o Convênio ICMS 15/2007 estabelece que o agente que assumir a posição de fornecedor de energia elétrica deverá, em cada contrato e para cada estabelecimento destinatário, exceto em relação aos termos de cessão gerados pelo MCSD do Ambiente de Comercialização Regulado, emitir mensalmente nota fiscal, modelo 55, com destaque do ICMS (em caso de incidência), ao qual está integrado o montante do próprio imposto, sendo que a base de cálculo da operação será o “preço total contratado”[2]. Tratando-se de casos de fornecimento a consumidor livre ou autoprodutor, o ICMS será devido ao estado onde ocorrer o consumo[3]. Em caso de contrato globalizado por submercado, o agente que assumir a posição de fornecedor deverá emitir as notas fiscais de acordo com a respectiva distribuição de cargas prevista para os pontos de consumo de cada estabelecimento[4], de modo que o adquirente da energia elétrica deverá informar ao respectivo agente fornecedor a sua real distribuição de cargas por estabelecimento[5].

Em relação às liquidações no Mercado de Curto Prazo da CCEE e no MCSD, o Convênio ICMS 15/2007 estabelece que o agente deverá emitir nota fiscal, modelo 55, relativamente às diferenças apuradas: i) pela saída de energia elétrica, em caso de posição credora no Mercado de Curto Prazo, ou de fornecedora relativo ao MCSD[6]; e ii) pela entrada de energia elétrica, em caso de posição devedora no Mercado de Curto Prazo, ou de empresa distribuidora suprida pelo MCSD[7]. No caso do Mercado de Curto Prazo, para a determinação da posição credora ou devedora, “deve ser observado o valor final da contabilização da CCEE por perfil do agente e excluídas as parcelas relativas aos ajustes de inadimplência, já tributados em liquidações anteriores, bem como os respectivos juros e multa moratórios lançados no processo de contabilização e liquidação financeira”[8].

O agente, exceto consumidor livre e autoprodutor, deverá emitir nota fiscal relativa à entrada de energia elétrica sem o destaque de ICMS[9]. Em todos os casos, deverão constar na nota fiscal[10]i) a expressão “Relativa à liquidação no Mercado de Curto Prazo” ou “Relativa à apuração e liquidação do Mecanismo de Compensação de Sobras e Déficits – MCSD”, conforme o caso, e no campo dados do emitente as inscrições no CNPJ e no cadastro de contribuintes do ICMS os respectivos dados; ii) os dados da liquidação na CCEE, incluindo o valor total da liquidação financeira e o valor efetivamente liquidado, no quadro “Dados Adicionais”, no campo “Informações Complementares”; e iii) no campo Natureza da Operação, compra ou venda de Energia Elétrica, no caso da posição devedora ou credora, respectivamente, indicando os Códigos Fiscais de Operação (CFOP) correspondentes.

Quando se tratar de estabelecimento de consumidor livre ou de autoprodutor que promova a entrada de energia elétrica, em caso de posição devedora no Mercado de Curto Prazo, será sempre responsável pelo pagamento do ICMS e deverá emitir nota fiscal relativa à entrada, fazendo constar, como base de cálculo, o valor final da contabilização da CCEE por perfil do agente e excluídas as parcelas relativas aos ajustes de inadimplência, já tributados em liquidações anteriores, bem como os respectivos juros e multa moratórios lançados no processo de contabilização e liquidação financeira, ao qual deverá ser integrado o montante do próprio imposto, aplicando a alíquota interna do Estado de localização do consumo e destacando o ICMS[11].

Caso haja mais de um ponto de consumo, deve-se observar o rateio proporcional do resultado da liquidação, segundo as medições verificadas, para a apuração da base de cálculo[12]. O pagamento do imposto deve ser efetuado mediante guia de recolhimentos estaduais, no prazo previsto na legislação do respectivo estado[13], sendo que o respectivo crédito, na forma e no montante admitidos, somente pode ser efetuado no mês em que o imposto tiver sido recolhido[14].

Diante das regras contidas no Convênio ICMS 15/2007, nas liquidações no Mercado de Curto Prazo da CCEE, à exceção dos estados listados no Anexo Único do Convênio ICMS 77/2011[15], a empresa que assumir a posição de agente deverá emitir nota fiscal, modelo 55, relativamente às diferenças apuradas: i) pela saída de energia elétrica, em caso de posição credora no Mercado de Curto Prazo; e ii) pela entrada de energia elétrica, em caso de posição devedora no Mercado de Curto Prazo; sendo que, quando não estiver na posição de consumidor livre e autoprodutor, a nota fiscal relativa à entrada de energia elétrica deverá ser emitida sem o destaque de ICMS[16]. Já nas situações em que a empresa estiver na posição de consumidor livre ou de autoprodutor que promova a entrada de energia elétrica, em caso de posição devedora no Mercado de Curto Prazo, será sempre responsável pelo pagamento do ICMS e deverá emitir nota fiscal relativa à entrada, fazendo constar, como base de cálculo, o valor da liquidação financeira contabilizada pela CCEE, aplicando a alíquota interna do Estado de localização do consumo e destacando o ICMS.

Embora os estados listados no Anexo Único do Convênio ICMS 77/2011 deixem de aplicar as regras contidas no Convênio ICMS 15/2007[17], esse é o entendimento que vem sendo adotado pelos demais estados, como se verifica em julgamento proferido pelo Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais, cuja ementa restou redigida nos seguintes termos:

 

OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA – SAÍDA DESACOBERTADA – FALTA DE EMISSÃO DE DOCUMENTO FISCAL – NOTA FISCAL DE SAÍDA. Constatada a saída de mercadorias desacobertada de documentação fiscal, decorrente de venda do excedente de energia elétrica contratada no Mercado de Curto Prazo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) nos termos do art. 53-F, inciso I, Anexo IX do RICMS/02. Exigência apenas da Multa Isolada capitulada no art. 55, inciso II, § 2° da Lei nº 6.763/75, em face da equiparação da saída à operação interestadual com energia elétrica. CRÉDITO DE ICMS – APROVEITAMENTO INDEVIDO – ENERGIA ELÉTRICA – OPERAÇÃO SUBSEQUENTE NÃO TRIBUTADA. Constatado que a Autuada deixou de estornar os créditos de ICMS apropriados em função da compra de energia elétrica, tendo em vista que, efetuou venda de energia elétrica no Mercado de Curto Prazo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), sem tributação pelo ICMS nos termos do art. 71, inciso I, Parte Geral do RICMS/02. Corretas as exigências de ICMS, Multa de Revalidação e Multa Isolada prevista no art. 55, inciso XIII, alínea “b” da Lei nº 6.763/75. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA – FALTA DE EMISSÃO DE DOCUMENTO FISCAL – NOTA FISCAL DE ENTRADA – ENERGIA ELÉTRICA. Constatada a falta de emissão de notas fiscais de entrada correspondentes às operações de aquisição de energia elétrica realizadas no Mercado de Curto Prazo da CCEE nos termos do art. 53-F, inciso II, Anexo IX do RICMS/02. Crédito tributário reformulado pelo Fisco no que tange a esta penalidade, estando correta a exigência de Multa Isolada 10% (dez por cento) do valor da operação, prevista no artigo 55, inciso XXVIII da Lei n° 6.763/75. ICMS – FALTA DE RECOLHIMENTO – ENERGIA ELÉTRICA – AQUISIÇÃO NO MERCADO DE CURTO PRAZO DA CÂMARA DE COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA (CCEE). Constatado que a Autuada não recolheu o ICMS incidente sobre a entrada de energia elétrica correspondente às operações realizadas no Mercado de Curto Prazo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) nos termos do art. 53-F, § 4º e art. 53-G, Anexo IX do RICMS/02. Correta a inclusão do próprio imposto e da inadimplência na base de cálculo do ICMS, nos termos da legislação aplicável, CONSELHO DE CONTRIBUINTES DO ESTADO DE MINAS GERAIS 21.034/12/1ª 2 Publicado no Diário Oficial em 5/1/2013 – Cópia WEB hipótese em ficam mantidas as exigências de ICMS e Multa de Revalidação capitulada no art. 56, inciso II da Lei nº 6.763/75, conforme apuração fiscal. Lançamento parcialmente procedente. Decisão unânime[18] (grifou-se).

 

A hipótese de incidência do ICMS, tal como definida no artigo 155, inciso II, da Constituição Federal, corresponde às “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”. Sua ocorrência é definida pelo artigo 12, inciso I, da Lei Complementar 87/1996, como o “da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”.

Para se determinar se há incidência do ICMS nas operações com energia elétrica[19] que envolvam liquidações no Mercado de Curto Prazo da CCEE, deve-se verificar se correspondem a “operações relativas à circulação de mercadorias”, com a concretização do fato gerador do imposto.

Essa foi a conclusão da jurisprudência ao analisar a incidência do ICMS sobre a denominada “demanda contratada”, consolidando o posicionamento no sentido de que “[o] ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada”[20], ou seja, sobre aquela demanda correspondente ao valor da energia elétrica efetivamente consumida, afastando a incidência do imposto sobre aquela parcela que, embora haja sido contratada, não corresponda ao efetivo consumo.

Destaca-se, entre os julgamentos relativos à matéria, o Recurso Especial 960.476[21], sob o rito dos recursos repetitivos[22], no qual o STJ ratificou que a jurisprudência assentada no tribunal, a partir do julgamento do Recurso Especial 222.810-MG[23], é no sentido de que “o ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos” (grifou-se), ou seja, de que “a só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria”. Em razão disso, concluiu que “o ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa”.

No caso das operações com energia elétrica que envolvam liquidações no Mercado de Curto Prazo da CCEE, “a tributação do ICMS quando da aquisição da mercadoria já se deu antecipadamente em relação à toda energia elétrica a ser consumida em face desse contrato bilateral, quer diretamente pelo próprio adquirente, quer pelo cessionário que dele adquiriu as sobras, sendo certo que incidência do imposto em face da cessão configura nova e indevida tributação sobre um mesmo fato gerador”, como bem reconheceu o STJ no julgamento do Recurso Especial 1.615.790/MG[24], de modo que nova cobrança de ICMS representaria bis in idem.

Isso porque não há novo fato gerador do imposto, na medida em que, como também reconhecido pelo STJ no mesmo julgamento, “o fato de os consumidores poderem operar no aludido Mercado de Curto Prazo, como credores ou devedores em relação ao volume originalmente contratado, não os transforma em agentes do setor elétrico aptos a realizar alguma das tarefas imprescindíveis ao processo de circulação física e jurídica dessa riqueza, relativas à sua geração, transmissão ou distribuição, de tal modo que nenhum deles, consumidor credor ou devedor junto ao CCEE, podem proceder a saída dessa “mercadoria” de seus estabelecimentos, o que afasta a configuração do fato gerador do imposto nos termos do art. 2º e 12 da Lei Complementar n. 87/1996”.

Apesar da exigência de diversos estados de que a empresa que esteja na posição de consumidor livre ou de autoprodutor que promova a entrada de energia elétrica (caso de devedora no Mercado de Curto Prazo), que emita nota fiscal relativa à entrada e destaque o ICMS, com amparo no Convênio ICMS 15/2007, essa exigência contraria, entre outros, o disposto no artigo 155, inciso II, da Constituição Federal, que prevê a hipótese de incidência do imposto, assim como o artigo 12, inciso I, da Lei Complementar 87/1996, que estabelece o momento da ocorrência de seu fato gerador.

 


 

[1] Convênio ICMS 77/2011, cláusula 4ª-A, I: “O disposto neste convênio aplica-se às unidades federadas constantes do Anexo Único, a partir da data nele indicada, observado o seguinte: I – a exigência imposta ao agente da CCEE, nos termos do caput da cláusula primeira do Convênio ICMS 15/07, de 30 de março de 2007, não se aplica à comercialização de energia destinada às unidades federadas constantes no Anexo Único”.
[2] Convênio ICMS 15/2007, cláusula 1ª, I, “b”.
[3] Convênio ICMS 15/2007, cláusula 1ª, I, “c”.
[4] Convênio ICMS 15/2007, cláusula 1ª, parágrafo 1º.
[5] Convênio ICMS 15/2007, cláusula 1ª, parágrafo 2º.
[6] Convênio ICMS 15/2007, cláusula 1ª, II, “a”.
[7] Convênio ICMS 15/2007, cláusula 1ª, II, “b”.
[8] Convênio ICMS 15/2007, cláusula 2ª, I.
[9] Convênio ICMS 15/2007, cláusula 2ª, II.
[10] Convênio ICMS 15/2007, cláusula 2ª, III.
[11] Convênio ICMS 15/2007, cláusula 3ª, I.
[12] Convênio ICMS 15/2007, cláusula 3ª, I, “b”.
[13] Convênio ICMS 15/2007, cláusula 3ª, II.
[14] Convênio ICMS 15/2007, cláusula 3ª, parágrafo único.
[15]

 

 

[16] Convênio ICMS 15/2007, cláusula 2ª, II.
[17] É o que se verifica no caso de São Paulo, que já se manifestou no sentido de que, “no Estado de São Paulo não existe previsão legal para emissão de Nota Fiscal em relação às diferenças apuradas na Liquidação da Contabilização do Mercado de Curto Prazo realizado pela CCEE – Câmara de Comercialização de Energia Elétrica” (Resposta à Consulta Tributária 18.427/2018).
[18] Acórdão 21.034/12/1ª, Câmara de Julgamento, PTA/AI 01.000170260-31.
[19] Equiparada a mercadoria para fins de incidência do ICMS.
[20] Súmula 391 do Superior Tribunal de Justiça.
[21] STJ, 1ª Seção, min. Teori Zavascki, DJe de 13/5/2009.
[22] Código de Processo Civil, artigo 543-C.
[23] STJ, 1ª Turma, min. José Delgado, DJ de 15/5/2000.
[24] STJ, 1ª Turma, min. Gurgel de Faria, DJe de 9/4/2018.

Fonte: Dia a Dia Tributário via Revista Consultor Jurídico (conjur.com.br)
*Anderson Cardoso é sócio do Souto Correa Advogados.

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