Tributação de investidores-anjos

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A Receita Federal publicou no Diário Oficial de 21 de julho a Instrução Normativa nº 1.719, regulamentando a tributação dos rendimentos decorrentes de investimentos efetuados em microempresas ou empresas de pequeno porte pelos chamados “investidores-anjo”.
Tal regulamentação surpreendeu negativamente o mercado investidor, tendo em vista que no fim do ano passado os chamados investidores-anjo haviam recebido uma boa notícia com a edição da Lei Complementar nº 155/16.

A LC 155/16, que entrou em vigor no início deste ano, previu a possibilidade de realização de aportes de capital regulados por meio de contrato de participação, determinando que o investidor-anjo não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial.

Ao optar por tributar os aportes de capital dos investidores-anjo, a Receita Federal acabou por ir na contramão do objetivo previsto na lei
Desta maneira, o investidor-anjo passou a poder participar dos lucros da empresa, dentro do limite de 50% dos lucros apurados no período, sem correr o risco de responder com seu patrimônio por dívidas da sociedade, caso o negócio não prospere.
De acordo com a IN 1.719/17, os rendimentos decorrentes de aportes de capital efetuados por investidores-anjo estarão sujeitos ao Imposto de Renda Retido na Fonte conforme alíquotas regressivas variáveis de 15% a 22,5%, a depender do prazo do contrato de participação, iniciando em 22,5% para os contratos de participação de prazo de até 180 dias e regredindo até 15% para os contratos de participação de prazo superior a dois anos.
Assim, quando a sociedade investida distribuir seus resultados aos investidores-anjo, deverá reter na fonte o Imposto de Renda. Da mesma forma deverá fazê-lo quando do resgate do valor aportado, que pode ocorrer após o prazo mínimo de dois anos.
Portanto, as disposições da IN 1.719/17 fazem com que as sociedades investidas tenham que manter controles para poder apurar corretamente o imposto de renda a ser retido no caso de pagamentos efetuados aos investidores-anjo.
O ganho na alienação dos direitos de contrato de participação por investidor pessoa física ou pessoa jurídica isenta ou optante pelo Simples Nacional está sujeito à incidência do IR às alíquotas mencionadas acima. O ganho auferido por pessoa jurídica tributada com base no lucro real, presumido ou arbitrado: (i) será computado no pagamento da estimativa e na apuração do lucro real ou (ii) comporá o lucro presumido ou o lucro arbitrado.
Cumpre ressaltar que caso o investidor-anjo seja um fundo de investimento a retenção do Imposto de Renda na Fonte está dispensada. Nesse caso, a tributação ocorrerá somente no nível dos cotistas, com base nas regras gerais aplicáveis aos fundos de investimento.
O tratamento tributário dado pela Receita Federal do Brasil (RFB) aos aportes de capital efetuados pelos investidores-anjo é equivalente àquele aplicável aos contratos de mútuo. O racional da RFB é que determinadas características fazem com que o aporte se assemelhe a um mútuo, quais sejam: (i) o aporte realizado pelo investidor-anjo com base em contrato de participação não compõe o capital social da empresa, (ii) o investidor-anjo não é considerado sócio nem tem qualquer tipo de gerência ou voto na administração da empresa e (iii) o investidor-anjo não responde por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial.
A nosso ver, no entanto, a RFB andou mal ao equiparar os aportes de capital efetuados por investidores-anjos aos mútuos para fins de tributação. O objetivo expressamente indicado na LC 155/16 é de “incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos em sociedades enquadradas como microempresa ou empresa de pequeno porte”.
Ao optar por tributar os aportes de capital dos investidores-anjo, a Receita Federal acabou por ir na contramão do objetivo previsto na LC 155/16 e do que existe em diversos países, como os Estados Unidos, que concedem incentivos fiscais para os investimentos em startups.
Na prática, o incentivo trazido pela LC 155/16 poderá ser anulado pela regulamentação da RFB, já que o investidor-anjo terá que optar por um dos seguintes caminhos: (i) realizar o aporte via contrato de participação nos termos da LC 155/16 e estar protegido de qualquer dívida da empresa, mas ser tributado como se estivesse realizando um mútuo ou (ii) tornar-se efetivamente sócio da empresa e receber distribuição de lucros isentos de tributação, mas correr o risco de responder por eventuais dívidas da sociedade.
por Camilla Pardini e André Novaski são advogados do Demarest Advogados

 Fonte: Valor Econômico

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